Enquanto saía do supermercado escutava a conversa de dois casais bem a minha frente. Um deles dizia:
– Olha não sei, não tenho e nem quero saber quem são os meus vizinhos. Lá no meu prédio eu conheço apenas o síndico e não faço questão de conhecer mais ninguém…
A conversa continuou. Fiquei pensando sobre o diálogo e de como mudaram os conceitos ao longo dos últimos anos. Não há muito tempo o provérbio bíblico “Melhor o vizinho que está perto do que o irmão que está longe” tinha um peso bastante grande na vida das pessoas, porque elas procuravam conhecer com quem compartilhavam o espaço e a vizinhança. Entendia-se que num momento de necessidade e de uma ajuda urgente a primeira porta em que se bateria seria a porta do vizinho. Hoje essa cultura mudou. As pessoas se orgulham de não conhecerem os seus vizinhos. Há certa presunção de autossuficiência derivada do isolamento estimulado pelo momento cultural e tecnológico que se vive. Entretanto, há que se ressaltar que ninguém que vive em sociedade vive de forma isolada, porque necessariamente se faz parte de algo. A pergunta do título volta a ser posta: do que você faz parte?
A indagação me parece relevante porque cada vez mais se veem pessoas que não conseguem se identificar com nenhuma parte. Muitas pessoas já não são parte de nenhuma família. Os pais se separaram, os primos estão distantes, elas não têm tios e os avós já partiram. Outras pessoas trabalham numa organização, mas em função de constantes mudanças de posição e de trabalho, antes de se integrar se desintegram. As mudanças na vida profissional acontecem numa velocidade que não permite a que as pessoas sejam efetivamente parte do todo organizacional. Outro grupo se encaixa no perfil dos casais de quem ouvi a conversa acima. Eles vivem num condomínio, mas não convivem no condomínio. Eles não conhecem os vizinhos e fazem questão de não os conhecer. Eles não são parte. Eles integram o condomínio físico de prédio e das instalações, mas estão à parte das pessoas. A presença no condomínio é apenas por uma conveniência e não tem nenhuma pretensão de contribuição.
A preocupação deste texto com a pergunta “do que você faz parte?” está no fato de que mais e mais pessoas reúnem todas as características de isolamento citadas. Elas não têm família, elas não pertencem a nenhuma organização e não participam de nenhuma comunidade. Voltam-se tão somente para si mesmas que ignoram os outros. Deixaram de entender que sem os outros eles nada são. A vida de cada ser humano somente tem sentido se ela também for importante para os outros. A autossuficiência é importante para poder equilibrar a balança entre aqueles que podem contribuir mais suprindo a carência daqueles que contribuem menos. É nesse momento que aquele que mais contribui passa a receber mais pelo reconhecimento da própria contribuição. Assim, a autossuficiência não pode ser egoísta a ponto de se posicionar à parte. De que me serve ser autossuficiente sozinho? Como posso me sentir realizado isolado? Por isso o desafio é de ter a coragem de fazer parte de algo maior do que você mesmo.
Do que você faz parte?