Moacir Rauber
Acompanhar o processo de recrutamento e seleção numa das maiores empresas brasileiras e mundiais pode nos levar a algumas ilações interessantes sobre o atual modelo de gestão de pessoas. A empresa em questão figura entre as dez melhores para se trabalhar por vários anos da Revista Exame e mantém uma área específica para a gestão de pessoas, que tem assento na direção estratégica da organização. Tudo certo como manda o figurino da moderna gestão de pessoas em busca da melhor competitividade, partindo do pressuposto de respeito ao indivíduo que trabalha na organização. Entretanto, a prática de recrutamento e seleção desmente essas iniciativas e até as orientações do corpo diretivo da empresa.
Havia uma vaga, foi feito um processo de seleção e elegeu-se um candidato, que havia se deslocado 800km para efetuar a candidatura. Acertou-se o salário e as condições de trabalho para o selecionado, bem como o seu início para dali a 15 dias. Esse seria o tempo que o selecionado teria para retornar a sua cidade, organizar as questões pessoais que são todas afetadas numa mudança dessa dimensão. Tudo certo entre o candidato e o novo chefe. Este pediu que aquele passasse na área de Gestão de Pessoas e Sustentabilidade Social. O selecionado chegou e comunicou o combinado e solicitou as informações necessárias para a formalização da contratação. Passam-lhe a lista de documentos e as demais exigências como de praxe, entre elas a de retornar em sete dias para o exame admissional. O selecionado explicou a situação da distância e dos quinze dias que teria para se organizar antes de retornar. Houve um impasse e a contratação não aconteceu. O nome pomposo da área de Gestão de Pessoas e Sustentabilidade social na prática se revelou completamente avesso as suas prerrogativas, nada mais sendo do que um departamento de pessoal.
Um artigo com o nome “Pessoas do século 21, empresas do século 20”, escrito Gil Giardelli na Você S/A, diz que atualmente se tem modelos organizacionais do século XIX, companhias do século XX, a educação do século XIV e as pessoas do século XXI. Apesar de ser interessante não concordo totalmente com ele, uma vez que não há como as pessoas estarem no século 21 e as organizações se manterem no século passado, porque há uma interdependência entre elas em que uma não existe sem a outra. E a situação exposta pode nos indicar justamente o contrário do se afirma no artigo. Apesar da política explícita nas diretrizes organizacionais de valorizar as pessoas, procurando alinhar-se as suas necessidades como forma de reter os melhores talentos, os integrantes da área de gestão das pessoas mantiveram-se no século XIX, gerindo tão somente processos. Pelo cenário descrito pode-se presumir que as falhas na contratação do colaborador são muito mais responsabilidades dos indivíduos que compõem a área do que das políticas, uma vez que se dispensou um colaborador selecionado por uma simples questão de processos. Não eram essas as diretrizes da organização, mas foi esse o comportamento exibido pelos integrantes da área, assentado aos processos e que não conseguiram visualizar nada fora do quadrado que determinou o desfecho negativo da situação. E trata-se de uma pessoa como você, como eu ou como o colaborador selecionado, que não foi contratado porque não pode viajar 800km especilamente para fazer o exame admissional.
São comportamentos como esses que determinam em qual século se encontra a empresa e que estão muito mais ligados as pessoas que a compõem do que propriamente as suas diretrizes. Por isso, talvez um dos grandes desafios seja o de preparar as pessoas para a gestão de pessoas, cabendo as organizações, a partir de seu corpo diretivo, prepará-las para essa nova realidade, garantindo que os talentos selecionados permaneçam na mesma melhorando a sua competitividade. Porque somente as pessoas farão as organizações a deixarem para trás a educação do século XIV e os modelos organizacionais do século XIX, levando-as definitivamente para o século XXI.