Aviso aos cadeirantes: “Vocês precisam caminhar…”

Moacir Rauber

Participei de um evento na cidade de Santos-SP, com foco em Treinamento e Desenvolvimento de pessoas. Evento este marcado pela defesa intransigente de que as organizações devem se centrar nas pessoas, algo tão óbvio, pois sem pessoas não há organização, mas por vezes tão distante da realidade. Na condição de cadeirante por mais de 25 anos posso comprovar que essa percepção tem evoluído rapidamente, embora ainda se tenha um longo caminho pela frente até que se consiga entender verdadeiramente que as pessoas são a única razão de ser de qualquer organização. É essa percepção que levará a humanidade a conviver de forma equitativa com a diversidade.

Para deslocar-me até Santos fiz parte do trajeto em avião. Mas há um trecho que tenho que viajar de ônibus, normalmente um desafio para um cadeirante. Cheguei na rodoviária e encontrei pessoas atenciosas e simpáticas por parte da empresa. Logo orientaram-me para aguardar e entrar por último no veículo. Fiquei olhando para um ônibus lindo, enorme, majestoso e imponente. No vidro dianteiro e na lateral o adesivo da cadeira de rodas, que identifica a reserva de vagas para pessoas com deficiência. Aguardei até que todos os demais passageiros embarcassem. Observei a movimentação do motorista, um homem franzino com não mais de 1,65m de altura. Até engraçado saber que ele conduz um veículo tão soberbo. Tá vendo? Isso já é preconceito… Durante o tempo em que ele ajudava a acomodar as malas de todos também se deu conta que eu estava ali, a espera. Conforme os outros atendimentos íam terminando ele começou a me observar. Percebi que o motorista estava ficando um pouco aflito, até certo ponto constrangido. Por fim teve que me encarar, pois já não havia outra atividade a ser feita antes da partida. Devia passar por sua cabeça, Meu Deus, como farei para que ele embarque?, porque apesar do adesivo da cadeira de rodas não havia nenhum acesso para um cadeirante entrar no ônibus. Havia, sim, a reserva de vagas, mas não a condição para acedê-las. Eu me divertia com a situação, mas resolvi colaborar. Aproximei-me do motorista  e perguntei sobre como faríamos para subir. Ele ficou um pouco atrapalhado e perguntou-me, Você precisa de ajuda? Não consegue caminhar? Dei um sorriso para dizer que preciso sim de ajuda, caso o acesso ao ônibus seja somente pelas escadas. O motorista, sempre solícito, afirmou que conseguiria me carregar. Encostei minha cadeira próximo a escada de acesso do ônibus, o motorista colocou seus braços por baixo de meus braços, enquanto outra pessoa segurava as minhas pernas. Começaram a erguer-me para entrar no veículo. Ao pisar no primeiro degrau senti que o motorista fraquejou. Imaginem, ele tinha realmente muita vontade, mas a sua compleição física não ajudava, ainda mais considerando que eu tenho 1,85m. Tentou mais uma vez e conseguiu subir o primeiro degrau. Tentou se firmar, mas balançou. Esperou um pouco, fez um movimento e pôs o pé no segundo degrau. Senti que se preparou para um impulso mais forte. Quando ele fez o movimento de preparação meu corpo moveu-se um pouco lateralmente e a calça ficou enroscada no braço metálico que abre e fecha a porta do ônibus. Ele não viu e eu não senti, porém ao executar o movimento da subida o motorista e eu fomos, mas a calça não. Para piorar o motorista perdeu o equilíbrio e caiu sentado no degrau superior e eu fiquei no degrau de baixo somente de cuecas. Alguns curiosos que assistiam olhavam a situação entre assustados, estupefatos e apavorados. Eu os olhei e ri, ainda que um pouco embaraçado, porque minha cueca não era das mais bonitas… Falei, Calma, calma! O motorista queria voltar a fazer força. Rindo pedi-lhe para que não fizesse nada. Comecei a ajeitar minhas calças, fazendo alguns gracejos, Tá tudo sob controle, o passarinho não vai voar! Depois disse-lhes que eu subiria as escadas sozinho. Pus-me sentado corretamente num dos degraus e comecei a subir um a um movendo-me lentamente, trazendo as pernas com as mãos até chegar ao primeiro assento do ônibus. Na lateral do assento outra vez vi o adesivo que identifica ser o local próprio para cadeirantes. Apenas falta avisar aos cadeirantes que eles precisam caminhar…

É, certamente eu poderia esbravejar, reclamar e protestar, fazendo o maior escarcéu. Particularmente prefiro rir, porque sei como nos comportamos quando a diversidade nos aparece de forma realmente diversa. Ainda hoje nos assustamos e não sabemos como nos comportar diante dela. Também eu, que tenho diferenças visíveis advindas do uso de uma cadeira de rodas, deparo-me com situações frente as quais não sei como me comportar. Não há certo ou errado, apenas bom senso e normalidade. Ser diverso é que é normal!

E você, como convive com a diversidade na sua organização? No seu dia-a-dia? A diversidade é normal para você?


LEMBRE-SE:

“É importante viver sabendo que podemos falar, sem proferir palavras; que podemos ouvir, sem escutar os sons; que podemos ver, sem as imagens; que podemos caminhar, sem mover as pernas; enfim, que podemos aprender a aprender mantendo a mente aberta e em sintonia com o mundo, percebendo as oportunidades que nos rodeiam.”
Moacir Jorge Rauber


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