Moacir Rauber
A reportagem “Uma questão de fibra” da revista Você SA, edição 166 – abr 2012, apontando a resiliência como a principal competência a ser exibida pelos profissionais da primeira metade do século 21 me chamou a atenção pelos contornos históricos que a envolvem. Isso porque considero que nossos avós e bisavós eram exemplos de resiliência, reforçados por uma firmeza emocional que beirava a obstinação. Portanto, era uma competência comum à grande maioria da população no passado. Por outro lado, nos dias atuais, grande parte das pessoas são exemplos de inconstância, de frouxidão e de volubilidade emocional que nos tem deixado fracos e dependentes. Perdemos parte de nossa competência de ser resilientes, por isso ela se tornou tão valorizada.
Por gerações e gerações as pessoas foram criadas de uma forma em que se tornavam naturalmente resilientes. Ter fibra era uma questão de honra, de rijeza e de caráter. A gestão das emoções era uma prerrogativa para se adentrar no mundo dos adultos. Saber aquilo que se queria e o preço a ser pago para que se pudesse alcançar, respeitando as regras e os mais velhos, fazia parte da educação dos jovens de quase todas as gerações. Saber que havia um tempo de preparação e de espera era parte do jogo e todos estavam aptos para aguentar. A resiliência fazia parte da formação dos indivíduos que nasciam, cresciam, tinham o compromisso social de formar família e a ela sustentar. Não dispunham de telefone, internet, celulares ou outros meios sofisticados de comunicação. Tinham em mente a clareza daquilo que queriam. Faziam os planos, os projetos e se lançavam para aventuras além mar, lembrando dos milhões de pessoas que cruzaram o Atlântico em busca de uma vida melhor para os seus descendentes. Viagens de meses rumo a um destino incerto. A grande maioria sabia que jamais voltaria a ver aqueles que deixaram para trás, entre eles pais, tios, primos e amigos. Aqui no Brasil pode-se citar como exemplo os colonizadores saídos do Rio Grande do Sul que se embrenhavam pelos sertões do Brasil sem contar com nenhum apoio tecnológico ou de infra-estrutura. Do nordeste os milhares que saíam de suas terras em direção as grandes cidades do sudeste, sem a mínima noção do que significava viver numa metrópole. Planejavam com os recursos que tinham, partiam e faziam aquilo que deveria ser feito em busca dos objetivos traçados. Muitos certamente não alcançaram o que se propuseram, mas fibra jamais lhes faltava. Eram naturalmente resilientes.
Nesse cenário pode-se facilmente identificar os nove fatores que compõem a resiliência na escala da FGV, presentes na reportagem da Você SA, que são a
autoeficácia, a competência social, a empatia, a flexibilidade mental, a tenacidade, a solução de problemas, a proatividade, a temperança e o otimismo.
Ao falar de autoeficácia esses desbravadores detinham grande capacidade de organização, planejamento e execução. Sem o uso de GPS ou guias Quatro-Rodas percorriam milhares de quilômetros em estradas de terra batida em busca do sonho. Eram altamente proativos e solucionavam problemas que sequer poderiam imaginar que enfrentariam, não tendo a menor possibilidade de recorrer a psicoterapeutas para solucionar eventuais crises existenciais. Era fazer ou fazer.
A competência social também lhes era natural, uma vez que havia uma rede de apoio e interdependência entre aqueles que buscavam novos horizontes. Não bastava que um alcançasse a terra prometida, era fundamental que todos que partiram lá chegassem, porque a derrocada de um poderia significar a de todos. Assim, num núcleo que dispunha de poucos recursos todos tinham que contribuir e receber ajuda de forma integrada. Não havia a possibilidade de envolver-se em projetos sociais para desenvolver a “escuta empática” ou a “escuta ativa”. Exibir essas competências era necessário por uma simples questão de sobrevivência. Aqui também se pode incluir a competência conhecida como empatia, entendida como a habilidade de compreender o outro a partir dos seus modelos mentais. Essa competência, que envolvia respeito e a abertura no convívio entre as pessoas do grupo, era obrigatório que a tivessem. Naquele tempo essa competência era conhecida simplesmente como “educação”. Todas essas competências e habilidades eram passadas de pai para filho, porque grande parte da população não tinha acesso a livros ou sequer sabiam ler. Identifica-se nesse mesmo ponto a flexibilidade mental, que abarca a tolerância e a criatividade. Como não seriam tolerantes os integrantes de um grupo que saía numa viagem de 60 ou 90 dias do Rio Grande do Sul com destino a uma terra inexplorada no interior do Paraná ou do Mato Grosso, de Rondônia ou do Acre lá pelos idos de 1940 ou 1950? Não havia a mínima possibilidade de desenvolver a flexibilidade mental em cursos de yoga ou outra técnica oriental. Havia a necessidade da convivência pacífica num ambiente limitado e muitas vezes hostil.
Nesse cenário a flexibilidade cruzava-se diretamente com a tenacidade, que é a capacidade de conviver em situações consideradas adversas. Trata-se de um quesito em que não há como questionar o que aquelas pessoas aguentaram. Dias, semanas, meses, anos e muitas vezes uma vida sem notícias das pessoas queridas. Hoje, os pais entram em parafuso se não conseguem falar diariamente com seus filhos, tenham eles 2, 5, 20 ou 50 anos de idade. Os filhos piram se não podem dar uma ligadinha para o papai ou para a mamãe. Como falar de tenacidade com pessoas que tem tamanha dependência emocional? Como esperar que essas pessoas aguentem o tranco de um projeto ousado? Sim, os nossos avós e bisavós eram tenazes e também criativos para solucionar problemas, outra das habilidades integrantes da competência chamada de resiliência. Eles viviam num ambiente estranho e adverso em que as condições mudavam constantemente e não tinham como consultar a internet para ver a previsão do tempo para o dia ou para a semana seguinte. Eles se desenrascavam dos problemas com aquilo que dispunham, pois eram autosuficientes na solução dos seus problemas. Jogar xadrez para aprender a desenvolver estratégias? Era uma possibilidade, pois a paciência para tanto eles tinham. Porém, há que considerar que as estratégias estavam em suas cabeças, não nos notebooks, tablets ou no São Google.
Nessa sequência a proatividade era intrínseca a essas pessoas, pois se não a tivessem sequer se atreveriam a sair de suas casas. Não havia um processo de coaching para buscar um colinho ou uma segurança que lhes faltasse. O coaching deles era a própria vida. Isso tudo associado a temperança e ao otimismo. Temperança para não perder o equilíbrio emocional frente as adversidades diárias de um ambiente novo. Otimismo não precisava ser descrito para aqueles aventureiros. Eles simplesmente acreditavam naquilo a que se propunham.
Depois das décadas de 1950, 1960 e 1970 a tecnologia foi aparecendo, a comunicação foi sendo facilitada, os recursos se tornaram abundantes e as mudanças na gestão da emoção das pessoas foi acontencendo. Toda essa parafernália comunicativa deveria simplesmente servir como suporte para estreitarmos as nossas relações, fortificando-nos emocionalmente. Entretanto, em parte elas assumiram o controle ditando as regras daquilo que fazemos com nossas emoções. Enfraquecemos emocionalmente. Algo que nós queríamos já não podia mais ser para amanhã, tinha que ser para ontem. Passamos a não aguentar sequer a ideia de não ter aquilo que desejamos. Não conseguimos mais conviver com o fracasso.
Não estou defendendo que se volte no tempo, nem que aquele fosse um mundo melhor daquele de que dispomos hoje. Sei que aquelas gerações tinham seus modelos mentais que à vezes dificultavam certas ações e aceitações que para nós hoje são fundamentais. Apenas estou dizendo que se podem usar exemplos, comportamentos e conhecimentos do passado para estruturar melhor nosso presente e garantir nosso futuro. Olhar para as competências naturais daqueles milhões de pessoas que largaram tudo, cruzaram os oceanos em busca de um sonho, enfrentaram dificuldades, persistiram e aprender com eles. Lembrar-se e usar a história para aprender, sem desmerecer fatos que podem nos ajudar. Porque hoje, muitas vezes minimizam-se as dificuldades que nossos antepassados viveram e exacerbam-se as nossas. Fala-se que nunca se sofreu tamanha pressão profissional como nos dias de hoje. Sim, a pressão é real, mas no passado ela também existiu. Ela podia ser diferente, mas não menos dura, porque sequer se tinha a liberdade para que se pudesse ser aquilo que se quisesse ser. Muito diferente de hoje em cada um pode ser e fazer o que quiser de sua vida. Isso também me leva a afirmar que em certas situações enfraquecemos emocionalmente, sim. Resultado das facilidades de que dispomos. Quando não conseguimos dormir imediatamente tomamos uma pílula e está feito. Quando nos sentimos um pouco desanimados tomamos um estimulante e estamos a mil. Quando pensamos que nos ofenderam acionamos a justiça. E assim seguimos numa infindável busca para ter tudo à mão na hora, sempre.
Certamente que se hoje temos condições para conversar com quem gostamos todos os dias, ótimo. Mas que isso não seja empecilho para que não participemos de um projeto ou que não aproveitemos uma oportunidade que muito gostaríamos, frustrando-nos como pessoas e como profissionais, inclusive atingindo aqueles mais próximos que tanto quisemos preservar. Essas são algumas razões porque a resiliência, ou a falta dela, tem sido de tamanha importância. Por isso, as vezes penso que nós temos que deixar de ser frouxos e aproveitar a melhor fase da história da humanidade para viver bem e fazer com que os outros possam viver melhor ainda. Seja aquilo que vocé quer ser. Escolha, vá atrás e pague o preço. Você estará ajudando a construir um mundo melhor. E ainda assim, se você não aguentar a pressão para dipustar o posto de diretor da empresa, peça demissão e vá pescar!!! Isso também é uma questão de fibra. Afinal, é você quem decide a sua vida…
E você? Como está a sua competência de resiliência? Pense, critique, escreva…