Em 2005 escrevi um texto chamado “Insanidade Orgulhosa”. Nele descrevi o orgulho dos habitantes das grandes cidades quando se comparam com os habitantes de pequenas cidades. Lembrei do texto justamente porque neste perído estou passando uma temporada na cidade de São Paulo. Tenho que concordar que é realmente uma loucura. Tudo o que você imagina é possível que se encontre nela, para o bem ou para o mal… Mas a loucura também está no quanto de tudo que se tem disponível é realmente importante. Para mim acaba sendo muito mais loucura ter tanto a disposição, mas você não preccisar de quase nada… E “nada” você também tem nas cidades pequenas, que é tudo que uma cidade como São Paulo não pode oferecer: paz e tranquilidade. Cada um é cada um, mas eu ainda concordo com o que escrevi há quase oito anos.
Vamos ao texto!
Moacir Rauber
Para muitas pessoas há um orgulho exacerbado no fato de viver numa cidade grande. Quantas vezes nós nos confrontamos com situações onde se ouve a explanação daquele importante morador da cidade grande dizendo para o nada importante morador da cidade pequena: “mas aqui não existe nada para se fazer?” Muitas vezes. Essa relação se dá frente a praticamente todas as grandes cidades, supostamente mais desenvolvidas, com relação as pequenas cidades, teoricamente com menos recursos. São muitos dos habitantes de São Paulo e do Rio que não se imaginam vivendo fora da “loucura” da vida moderna que esses centros lhes proporcionam; são muitos dos habitantes de Florianópolis que não se imaginam vivendo numa cidade do interior; e assim sucessivamente. E quase sempre a principal argumentação de um com relação ao outro continua sendo de que nas povoações menores não se tem nada para fazer. Muitas vezes me pergunto: e precisa?
Muitos dos habitantes das grandes cidades vivem em bairros mal iluminados, violentos e, muitas vezes, com pouca infraestrutura básica. Além disso, estão distantes do trabalho, o que os obriga a se levantar praticamente de madrugada. A partir desse momento, começa toda a movimentação. Toma-se um banho rápido, pega-se um ônibus, enfrenta-se um engarrafamento e depois de toda essa agitação chega-se ao trabalho, muitas vezes atrasado. Depois de um dia tumultuado, no qual não se tem tempo para pensar nas suas necessidades e nas de seus familiares e amigos, retorna-se para casa. Logicamente, depois de enfrentar novo engarrafamento. Muitas pessoas chegam a gastar de duas a três horas diárias no trânsito… Mas, em função da importância que a pessoa julga ter cada vez menos ela tem noção do que seja um final de semana ou domingo completamente sem nada para fazer. E cada cidadão tem a impressão de continuar sendo imprescindível para que tudo continue funcionando.
Essa rotina se repete em grandes cidades do mundo inteiro em que as pessoas são apenas mais uma no meio da multidão. Quando, por fim, elas têm uma semana de folga ou mesmo um mês de férias vão para um local onde não tenham nada para fazer. Uma praia, um rio ou um hotel fazenda. Outras tantas vezes vão buscar suas origens nos parentes das cidades pequenas. Nesse passeio os encontram morando na mesma rua, na mesma casa ou no mesmo sítio com a mesma rotina de 10, 15 ou 20 anos atrás. Logo que encontram os velhos conhecidos começam as conversações: E aí, como está? O que você está fazendo? pergunta o morador pouco importante da cidade pequena. E lá vem as respostas do importante morador da cidade grande: Comigo tudo bem! Com ar entusiasmado, afinal a motivação é tudo… Estou trabalhando numa empresa e blá, blá, blá. Tem-se a impressão de que sem a presença do importante morador da cidade grande o mundo para… E continua, Começo pela manhã e trabalho até a noite, enfrento uns engarrafamentos tremendos. Às vezes chegam a durar duas horas sem se mexer. É que lá na capital tem muita gente, muitos carros e tudo vira uma loucura… Toda essa explicação acontece de uma forma totalmente orgulhosa por fazer parte do importante sistema que transforma as pessoas em necessidades e necessitados do mercado. Após essa eloquência orgulhosa vem a pergunta: E aqui vocês fazem o que?
A melhor e mais prazerosa resposta somente poderia ser Nada! Isto porque nas cidades menores e no campo ainda se tem tempo para não se fazer Nada. Ainda se tem tempo para admirar uma linda paisagem, para ouvir o canto de um pássaro, para observar as águas de um rio deslizando mansamente em seu leito ou para tirar o leite de uma vaca, sabendo que ele vai servir de alimento. Muita gente já acredita que o leite nasce na gôndola… Tudo isso porque nas cidades pequenas ainda resta tempo para ouvir o silêncio ou mesmo para não fazer Nada. Na vida no interior ainda se reserva tempo para lembrar que as atividades de uma pessoa são perfeitamente substituíveis por qualquer outra pessoa que as execute da mesma forma, mas que as pessoas são únicas e insubstituíveis. Isto enquanto milhões de pessoas perderam sua individualidade e já não sabem viver sem estar num turbilhão de ruídos, poluição e vazio, entre outras mazelas produzidas pelas grandes cidades.
Difícil de acreditar, entretanto, que a grande maioria é insanamente orgulhosa por isso!!!