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HOJE EU PERDI…

Hoje eu perdi…

Sabe aqueles dias em que você se levanta sem muita disposição? Pois é, naquele dia havia acordado assim, apesar de ter uma programação prevista que merecia celebração. Seria um dia especial porque meu sobrinho que morava comigo concluía o Ensino Médio com excelente aproveitamento. A conquista era toda dele, mas para mim era motivo de orgulho ter participado do processo. O dia começaria com uma cerimônia religiosa de agradecimento pela manhã, no final da tarde seria a colação de grau e, logo após, a festa de confraternização num dos hotéis da cidade. Eu me havia proposto a participar da cerimônia de agradecimento e da colação de grau. A festa seria dele com os seus amigos com quem havia compartilhado segredos e fofocas; sucessos e fracassos; tristezas e alegrias; amores e desamores, entre outras histórias vividas com o entusiasmo de quem tem 17 anos.

A cerimônia religiosa estava programada para às 10h30 na capela do colégio, que não conhecíamos. Quando a vimos, ficamos chocados com o tamanho da escadaria que dava acesso à capela, que estava abrigada num prédio antigo. Olhei para o meu sobrinho que sempre solícito logo se dispôs a me ajudar. Olhávamos para os obstáculos de longe, faltava cruzar a rua. A movimentação dos amigos e familiares dos demais formandos era intensa em frente a capela. Olhei para o meu sobrinho e disse:

– Vai lá. Aproveita para agradecer a tua conquista. Eu não vou. Dá uma olhada… A escada é tão íngreme que chega a ser perigoso…

Despedi-me e voltei para casa. Inicialmente aliviado. Logo passei a sentir que havia perdido a chance de compartilhar algo relevante com uma pessoa importante. Eu desisti ao ver a escadaria como obstáculo. Não era a primeira escadaria em minha vida e não seria a última. A diferença estava na minha postura diante dela. Criei dificuldades sem ver o quadro completo. O que a Comunicação Não-Violenta (Marshall Rosenberg) poderia nos dizer da situação? E da perspectiva da Inteligência Positiva (Shirzad Chamine), onde estavam o Sábio e os Sabotadores? Antes de mais nada, frente a uma situação difícil, contraditória ou conflitante é importante fazer uma Pausa Estratégica para poder abstrair e observar o que está acontecendo de fato. Na Inteligência Positiva se fala em manter contato com a realidade por meio de alguns exercícios, assim como por gerações sempre nos foi dito para que se conte até dez antes de agir por impulso. A Pausa Estratégica permite que se tome consciência da realidade ao seu redor não sendo dominado pela emoção imediata que ocorre ao se enfrentar com a situação, seja ela difícil, conflitante ou desafiadora. A reação sem a pausa pode fazer com que se tome decisões ou se digam palavras que não são as melhores escolhas. Não se trata mais de fugir dos predadores, porque os nossos conflitos ocorrem em ambientes de relacionamento na vida social, familiar e organizacional. É com as pessoas que enfrentamos situações que podem ser interpretadas para além dos fatos, pois envolvem sentimentos e necessidades de um e de outro e permitem a expressão de um e de outro por meio da liberdade de que desfrutamos. Liberdade de expressão? Sim, assumindo as consequências do seu uso, por isso ao não entrar na capela eu me expressei e assumi as consequências disso. Desse modo, ressalte-se a importância da Pausa para não se deixar levar pelos sabotadores que na situação da capela se manifestaram sob a regência do Crítico que não perdeu a oportunidade de tecer comentários negativos sobre a falta de acessibilidade; ele estava certamente acompanhado do Esquivo que traz consigo a preguiça; da Vítima que traz consigo o olhar para as limitações; e do Controlador que traz consigo a necessidade de estar no comando de tudo. Com isso, o meu Sábio foi sequestrado e não aproveitou nenhum dos seus poderes. Não exerci a Empatia com o sobrinho, porque no momento da decisão não levei em conta as suas necessidades e tomei uma decisão baseada numa autoempatia sabotadora. Ele foi sozinho para a celebração. Não Explorei outras possibilidades frente a uma situação que parecia que se repetia, assim não Inovei e não aproveitei os possíveis “presentes” encontrados nas dificuldades. Desistir foi o caminho mais fácil. Com isso, não Naveguei para poder valorizar o que realmente era importante na situação: a presença. Optei pela ausência. Por fim, não Ativei nenhum dos poderes do sábio e permiti que os sabotadores sequestrassem a sabedoria, levando-me para onde não queria ir. Por fim, se eu tivesse feito uma Pausa e Observado com cuidado todo o quadro sem o julgamento precipitado, poderia ter exercido a empatia com o sobrinho para valorizar os seus Sentimentos e as suas Necessidades, que eram minhas igualmente. Com isso poderia ter explorado, inovado e navegado nas possibilidades para ativar o sábio e quem sabe, envolver outras pessoas que circulavam em frente a capela para que me ajudassem a subir as escadas. Com esse movimento, eu teria cruzado a rua e poderia ter visto o quadro completo. Ao cruzar a rua os sabotadores poderiam reclamar, mas eu teria ampliado a visão a tal ponto de poder observar que por detrás das colunas da lateral direita da capela havia uma rampa. A minha expressão teria sido outra.

Assim é que nós desistimos ao não vermos o quadro completo antes de tomar uma decisão. A Pausa consciente nos ajuda a discernir. Quantas vezes você se programou para fazer academia e na hora de começar escolheu não fazer? Quantas vezes você pensou em inserir um momento de oração ou meditação na sua rotina e na hora de levantar ficou na cama por mais alguns minutos? Quantas vezes você se inscreveu num curso e na hora de ir optou por ver um filme? Eu desisti de participar da formatura, mas ela aconteceu igual. Você pode desistir da academia, mas outros igualmente a usam. Você pode desistir da oração ou da meditação, mas aqueles que a fazem se beneficiam delas. Você pode desistir do curso, mas outros o farão. Tudo acontece, com ou sem você. Enfim, desistir qualquer um pode; desistir nos faz menores.

Lembro-me que no momento em que desisti tive a sensação de alívio, justificado pelos obstáculos utilizados como desculpas. Entretanto, ao tomar consciência de que não estaria presente num momento importante para outra pessoa, a sensação de alívio foi trocada pela frustração. Ao desistir se anula a IMAGINAÇÃO por não fazer o MOVIMENTO. Com isso, afetamos o mundo sem AFETO. Ao desistir o outro perde a sua presença, mas quem mais perde é quem não está presente, porque com ou sem você a vida segue.

Naquele dia, eu perdi para mim mesmo…

E você, está perdendo o que ao desistir?

“A presença é o que tenho de mais valioso para dar ao outro.Você está presente com quem diz que está?De que valem as promessas de amizade sem a presença?De que servem as declarações de amor sem a presença?Para que prometer lealdade sem a presença?Como comprometer-se com alguém sem a presença?Quando não dou minha presença plena o que resta?”

Moacir Rauber

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