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Não se ensina truque novo para cachorro velho…

Lá estava eu com minha aluna de dezenove anos que comentava sobre o seu avô desempregado e que se recusava a voltar a estudar. Ela disse:

– Ele tem muitas ideias fixas. Talvez ele já seja muito velho para aprender algo novo…

– Quanto anos ele tem?

– 54.

– Hum, você está me chamando de velho? Eu tenho 53…

Ela ficou constrangida. Eu ri. Ela se explicou, dizendo que ela não achava o avô velho, mas realidade ele é que se achava velho para fazer uma faculdade ou mesmo para se inscrever num curso profissionalizante. Ela o incentivava e o desafiava para procurar algo novo para fazer, porém ele resistia. Concordo com a análise dela. Ninguém com cinquenta e poucos anos precisa ser velho, mas qualquer um pode ser velho. A postura do avô da minha aluna dá razão a expressão “não se ensina truque novo para cachorro velho”. Porém, será a expressão verdadeira?

Acredito que há muito conhecimento nas expressões populares que representam o conhecimento do senso comum. São tantos os ditados que carregam em si conhecimento e sabedoria que a ciência terá ainda muito trabalho pela frente até que consiga entendê-los, explicá-los, comprová-los e/ou refutá-los. Porém, nem todos os ditados devem ser internalizados como verdades absolutas, cabendo a nós discernir entre àqueles que trazem em si sabedoria e àqueles que nos induzem a assumir crenças que nos limitam.

Nas minhas andanças envolvo-me com pessoas dos oito aos oitenta anos. Muitas vezes, vejo jovens que se comportam como velhos e idosos que agem como jovens. Com relação a aprendizagem encontro a mesma realidade em total desacordo com a expressão de que não se pode ensinar truque novo para cachorro velho. Há jovens e idosos que acreditam que já sabem de tudo e que não precisam e não conseguem aprender mais nada. Por outro lado, há jovens e idosos que acreditam que podem continuar a aprender, porque a plenitude da vida se revela na aprendizagem contínua. Entendo que ao manter a mente aberta para a aprendizagem se pode continuar a ter novas experiências, independentemente da idade.

A realidade de que se pode aprender sempre está comprovado pela neurociência que constatou a neuroplasticidade cerebral que permite que o fenômeno da aprendizagem seja uma escolha individual. Da mesma forma, a história é rica em exemplos de idosos sábios e a sabedoria somente se consegue alcançar com a aprendizagem contínua. Porém, percebo que a expressão “não se ensina truque novo para cachorro velho” permeia boa parte das pessoas em nossa sociedade. É uma expressão até simpática, mas extremante prejudicial para quem internaliza a suposta verdade presente nela, impedindo-as de se apropriarem da vida em todas as suas fases. Jovem? Adulto? Idoso? Pouco importa, o ditado “não se ensina truque novo para cachorro velho” não se aplica às pessoas, porque o Ser Humano pode aprender sempre. Depende das escolhas, inclusive das do avô da minha aluna.

Importante destacar que o ditado foi criado e dirigido a um cachorro mais velho que na visão de seu dono não aprendia mais. Porém, o ditado foi desmentido inclusive para os cães, porque o programa televisivo “Caçadores de Mito” comprovou que cachorros velhos também aprendem.

 

Moacir Rauber

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Um pouco de humildade nas pretensões da ciência…

Fiquei feliz ao ler o título da matéria “Ciência perto de comprovar que pessoas absorvem energia de outras”, porque indica que aqui os cientistas descobriram a diferença entre descoberta e constatação ou comprovação científica. Como já escrevi no artigo “As descobertas da Psicologia Positiva e da Neurociência?” tenho ressalvas sobre aquilo que é anunciado como descoberta científica na área comportamental. Falar que a meditação para melhorar a qualidade de vida das pessoas é uma descoberta da neurociência é um disparate. Anunciar a descoberta da inteligência espiritual é no mínimo falta de bom senso perante uma história humana construída em bases espirituais. Certamente que muitas práticas espirituais desencadearam processos de estreitamento da espiritualidade, mas isso não quer dizer que as pessoas comuns deixaram de entender a espiritualidade como uma realidade. Nunca se precisou da ciência para saber que a meditação é um processo que melhora a qualidade de vida ou que a espiritualidade é algo real para as pessoas. Quem se afastou da espiritualidade foram os cientistas! E as manchetes sobre as descobertas da neurociência também se transformam em técnicas que pelos títulos seriam algo novo. A matéria “4 técnicas da neurociência para acelerar o seu aprendizado”, publicada no dia 22-02-18, atesta a tendência da neurociência de assumir para si e anunciar como descobertas práticas milenares. A primeira técnica apresentada é a necessidade de se atrelar emoções positivas ao fato de estudar. Isso é novo? Logicamente não. Em culturas ancestrais, muito mais do que emoções, as pessoas só faziam atividades que tinham sentido. A segunda técnica alerta para que as pessoas não exercitem apenas o cérebro, mas também o corpo. Onde está a novidade? As atividades física e mental sempre foram complementares na grande maioria das civilizações e essa dissociação ocorreu no nosso tempo em que automatizamos quase tudo que exige esforço físico. A terceira técnica versa sobre a importância de que cada um descubra o seu estilo de aprender. Mais uma vez, qual é a descoberta se nos povos em outros tempos as pessoas aprendiam ao fazer aquilo que fazia sentido? Por fim, a quarta técnica destaca que é preciso eliminar os ralos de atenção, sugerindo a aprendizagem da atenção plena para obter melhores resultados. Novidade? De maneira nenhuma. Ao se olhar para trás na história, as pessoas tinham como respeito aos tutores, mentores e seu semelhante o fato de estar com a mente onde se está com o corpo. Por isso, as pretensas descobertas estão muito mais para uma redescoberta ou um reencontro com caminhos que já havíamos percorrido em outros momentos da trajetória humana no planeta.

No meu ponto de vista, a ciência e, principalmente, a neurociência tem descoberto ferramentas, muitas de cunho tecnológico, para comprovar fenômenos há tempos aceitos pelo ser humano comum. Entendo, também,  que em muitas áreas a ciência tem exercido o papel de validadora do conhecimento humano com um trabalho não menos importante, muitas vezes, separando o charlatanismo de práticas verdadeiras. No início do texto destaco que se apresenta a possibilidade de comprovação de que as pessoas absorvam energia umas das outras, sendo um desses casos em que a ciência poderá exercer o seu papel de validadora de um conhecimento já existente e aceito por um enorme contingente de pessoas. Porém, medir o fenômeno não muda o fenômeno. A realidade daqueles que nunca duvidaram ou que sempre viveram de maneira a considerar o fenômeno continuará da mesma forma. Trata-se apenas da comprovação de maneira visual de um fenômeno até então não perceptível pelos cinco sentidos humanos para atender aos céticos vindos da ciência.

Enfim, para mim a ciência ou a neurociência pode servir para invalidar certas crenças ou para atestar a ignorância de muitas pessoas comuns. Entretanto, defendo que a ciência e a neurociência deveriam ter a capacidade de investigar com humildade para reconhecer todo o conhecimento humano acumulado na sua trajetória no planeta, sem a pretensão de ser a dona da verdade.

Moacir Rauber

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Gratidão: quais foram as tuas ações?

Hoje em dia, é muito comum se ouvir sobre os benefícios descobertos pela psicologia positiva e pela neurociência. Já escrevi sobre as ressalvas que tenho sobre quais são as reais descobertas da neurociência e da psicologia positiva. Elas, porém, não anulam os benefícios resultantes das práticas sugeridas. Entre elas, o exercício da gratidão tem especial destaque, uma vez que é um verdadeiro privilégio estar vivo. Por isso, as pessoas são orientadas a valorizar cada manhã em que acordam; a dar graças pelo trabalho que têm; a agradecer pela casa que os abriga; a ficarem felizes pelo sorriso da pessoa com quem trabalham; a se sentirem gratos pela água que os banha; e assim por diante. É importante que cada um seja grato por tudo aquilo que tem. E realmente, quando olhamos e analisamos aquilo que temos, muitos de nós, podemos ter a certeza de que temos mais do que precisamos para sermos felizes. Porém, quero adicionar uma pitada de provocação na prática da gratidão: se cada um de nós tem tanto a agradecer por estar aqui, pergunto: o que o mundo tem a agradecer pela minha presença nele?

Num curso de psicologia positiva que fiz, a orientação é que ao final do dia cada um faça a sua lista com pelo menos três coisas boas que tenha acontecido durante o dia pela qual se deveria estar grato. Comecei a fazer. É realmente fácil encontrar motivos para estar agradecido. É o vizinho que diz bom dia e abre a porta do prédio. É o motorista educado que dá passagem para você num momento de trânsito complicado. É alguém que o ajuda com uma informação sem a qual você gastaria muito tempo para fazer o que precisava fazer. E assim, é possível encontrar inúmeras razões para ser grato. Tenho comigo uma lista de pequenas coisas boas que me acontecem todos os dias. Porém, “de gratidão sem ação o inferno está cheio”. Esse é o ponto em que Santo Tomás de Aquino faz as suas considerações sobre como se expressa a gratidão na língua portuguesa. A expressão mais comumente usada para agradecer algo é dizer “Muito Obrigado”. Ela tem um peso que vai além das expressões de agradecimento de outros idiomas. Ao dizer “Muito Obrigado” você não somente agradece. Você também se compromete a fazer algo de concreto em benefício daquele que fez algo por você. Esse ato pode ser no mesmo instante ou em algum momento futuro, mas deve resultar em algo palpável. Caso não seja possível devolver para a pessoa que lhe fez algo que mereceu ser agradecido, o que você vai fazer? Para quem você vai fazer? Esse é o desafio. Pergunte-se: por que o dia que termina foi melhor pela minha existência? Na lista de agradecimentos de quem eu estou presente por ter feito algo de bom hoje?

Sim, é importante que continuemos sendo gratos por todas as pequenas e as grandes coisas boas que nos acontecem todos os dias. Por isso, faça a sua lista de três agradecimentos todos os dias. A vida ficará mais leve e feliz. Porém, acredito que seja tão ou mais importante fazer coisas boas para que as outras pessoas também possam estar agradecidas porque você existe. O que você fez de bom hoje que mereça um “Muito Obrigado”? Assim, também faça a sua lista de coisas boas que você fez pelas quais os outros podem estar agradecidos.

Moacir Rauber

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