O curso era sobre as impressionantes descobertas da psicologia positiva e da neurociência. A facilitadora dizia:
– Vou falar agora sobre algumas descobertas para você ser mais feliz, mais engajado e ter relacionamentos mais saudáveis…
A facilitadora, uma psiquiatra, começava discorrendo sobre o mapeamento do córtex cerebral, com a identificação de mais de trezentas áreas dentro dele. São inúmeras as possibilidades de uso desse mapeamento, como a detecção e a correção de problemas de aprendizagem. Para mim, essas são realmente descobertas. Depois a psiquiatra passou a dar exemplos de ações do dia a dia, citando-as também como descobertas das modernas ciências. Ela disse, por exemplo, que viver em estado de gratidão é extremamente positivo para qualquer pessoa. Segundo a neurociência, a pessoa que é grata por coisas simples, como a água que lavou o seu corpo no banho, a janela que pode abrir ao acordar, a roupa que veste durante o dia e assim por diante, é mais feliz. Outra descoberta da neurociência e da psicologia positiva é a importância de ser bom, porque só assim para se ter bons relacionamentos e ser beneficiado pela própria bondade. Por fim, a psiquiatra neurocientista e adepta da psicologia positiva afirmava que as novas descobertas fundamentadas numa rigorosa metodologia científica descobriram que o caminho mais fácil para exercer a gratidão e praticar a bondade é a meditação. A meditação faz com que cada praticante consiga manter o foco naquilo que é importante num movimento de atenção plena, sendo assim muito mais produtivo. E todos nós ficamos admirados com todas as descobertas da neurociência e da psicologia positiva. Confesso que ouvi sobre essas descobertas muitas vezes e quero dizer que concordo com os benefícios citados, porém tenho ressalvas com relação a serem elas descobertas da neurociência ou da psicologia positiva. Por que as ressalvas?
Ao se analisar as culturas mais antigas, praticamente todas elas tinham formas de meditação como uma maneira de voltar o foco para si mesmo, valorizando a sua relação de interdependência com os outros. Podiam ser diferentes rituais, mas com objetivos semelhantes. Eles buscavam entender e valorizar o seu próprio papel na teia social da qual faziam parte. Qual era o sentido da sua atividade? Qual era a importância da própria vida para si mesmo e para os outros? E eles conseguiam dar sentido àquilo que faziam, porque o que faziam era importante para si e para os outros. Nós, depois de algumas centenas de anos negando a importância das emoções e da espiritualidade em nome de uma ciência infalível nos apropriamos de práticas milenares e dizemos que são nossas descobertas. Ainda assim as usamos de forma superficial e sequer nos preocupamos em indagar: produtividade para que?
Portanto, quero dizer que talvez falte um pouco de humildade para aquilo que nós conceituamos como ciência e para aqueles que se definem como cientistas e neurocientistas para admitir que a adoção de práticas meditativas não é uma descoberta, mas sim uma redescoberta. Nunca se precisou de ciência ou de neurociência para saber que se podem diminuir as frequências cerebrais num estado meditativo. Trata-se de percorrer um caminho que já havíamos trilhado na busca por um reencontro com o sentido da vida. Enfim, acredito nos benefícios da prática diária da meditação que contribui para que cada um possa dar foco naquilo que lhe parecer mais importante. Porém, destaco a importância de se indagar: qual a finalidade de ser mais produtivo? Qual é o sentido daquilo que se faz na vida que se tem? O mundo é melhor por que você existe?
Crédito: Rastro Selvagem
Moacir Rauber
Blog: www.facetas.com.br
E-mail: mjrauber@gmail.com
Home: www.olhemaisumavez.com.br