Sempre que um problema atinge um número relativamente grande de pessoas a possibilidade de que surja uma associação derivada da situação é enorme. Entre as pessoas com deficiência trata-se de uma iniciativa comum. Existem associações para todos os gostos, cores e amores. Associação dos Amputados do dedo Minguinho, Associação dos Carecas, Associação de cadeirantes da rua tal e da rua tal. É impressionante como existem motivos para se criar uma associação que, muitas vezes, não resolve nada. E nem querem resolver. Junta-se um grupo de pessoas que parecem ter objetivos comuns, como trabalhar para a inclusão das pessoas, diminuir os preconceitos e criar uma sociedade mais justa. No papel é tudo muito bonito, mas a realidade quase sempre é outra. Surgem alguns que realmente querem resolver os problemas, porém eles são a minoria. Muitos dos reais interessados terminam por se afastar. Permanecem aqueles que não querem que os problemas sejam resolvidos, porque se por acaso forem, eles perdem a função. Tive algumas experiências nesse sentido, entretanto uma me veio à mente na semana que passou.
Estava eu a trabalhar num evento com diferentes entidades que visam promover a inclusão social de pessoas com deficiência. Um tema importante num evento completamente informal. A informalidade não diminuía a relevância do assunto tratado. No início buscava levantar a questão sobre quem é cidadão ou não. Fiz algumas perguntas para destacar que não há a exigência de uma característica física para ser ou não cidadão. Aproveitei a presença de um grande amigo que participava do evento para fazer uma brincadeira, uma vez que ele trajava a camiseta de um clube de futebol. Por ser a camiseta de um time rival ao qual eu era torcedor, brinquei com ele dizendo que talvez quem vestisse tal camiseta fosse apenas “meio” cidadão. Uma abordagem politicamente incorreta, mas com a certeza de que a liberdade da amizade me permitia fazê-la. A real intenção era estimular o humor, ainda que o assunto fosse sério. Terminei por aproveitar a ocasião para destacar o trabalho feito pela entidade que ele representava. O recado fora dado e entendido por todos os presentes. A sessão continuou e terminou de forma completamente satisfatória. Para o meu espanto, o meu amigo levou uma reprimenda do presidente da sua associação. Explico.
O meu amigo é funcionário de uma entidade que trabalha com a inclusão de pessoas com deficiência. Ele representa a entidade em várias ocasiões. Naquele dia ele fora assistir à minha palestra por livre iniciativa O presidente da associação, logo após o evento, telefonou para os organizadores para saber como tudo transcorrera, uma vez que a entidade também era uma das promotoras. Ele não pudera ir, mas soube da presença do colaborador pelos organizadores que disseram:
– O fulano esteve aqui. Inclusive o palestrante fez uma brincadeira com ele porque ele vestia a camiseta de um time… e blá, blá, blá.
O “zeloso”presidente da associação, que tem entre seus objetivos lutar pela inclusão social de pessoas com deficiência e a diminuição dos preconceitos, não se conteve e imediatamente telefonou para o seu colaborador. Dele exigiu explicações sobre a imagem da associação que fora denegrida pela sua participação inapropriada. Inicialmente, o meu amigo ficou sem palavras. Depois, explicou-lhe que fora ao evento com trajes mais esportivos porque o evento ocorria em horário pós-laboral. O presidente não aceitou a explicação. O meu amigo ainda justificou que o palestrante e ele eram amigos de longa data. Nada disso serviu ao presidente. Considere-se que o presidente da associação é uma pessoa com deficiência e deveria muito bem saber o que é ser discriminado pela aparência, seja ela marcada pelas roupas ou pela condição física. Entretanto, parece que ele não sabia.
Confesso que no meu entendimento, uma pessoa com uma atitude tão preconceituosa revela que não poderia trabalhar numa entidade que luta para que os efeitos dos preconceitos sejam minimizados. A menos que seja mais um que jamais queira que os problemas sejam resolvidos, por que uma vez que eles fossem solucionados ele simplesmente perde a função, o emprego e a própria razão da existência.
Confesso que no meu entendimento, uma pessoa com uma atitude tão preconceituosa revela que não poderia trabalhar numa entidade que luta para que os efeitos dos preconceitos sejam minimizados. A menos que seja mais um que jamais queira que os problemas sejam resolvidos, por que uma vez que eles fossem solucionados ele simplesmente perde a função, o emprego e a própria razão da existência.