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Qual é a tua xícara 2?

Qual é a tua xícara?

O professor desligou o celular e entrou na sala. Um minuto a mais e ele estaria atrasado. Foi uma aula tranquila dada com a consciência de ter feito um bom trabalho. Terminou a aula, ligou o celular e olhou as mensagens. Muita movimentação nos grupos e uma mensagem lhe chamou a atenção: “Quem é o irresponsável que não sabe usar um espaço comum? Sujou, lavou para que os outros possam usar. Incrível como tem gente sem noção!”. A mensagem lida parecia que lhe ia direto ao coração. Ele sabia que era para ele. A raiva veio de forma descontrolada e a resposta do professor que deixou a xícara na pia não demorou a chegar no grupo:

Irresponsável é quem não consegue fazer algo simples como lavar uma xícara quando um colega está no limite para chegar no horário. A falta de colaboração e de cooperação mostra quem é sem noção. Quantas vezes eu lavei a xícara de colegas… e seguiu com as justificativas.

Cada um com as suas interpretações e com os sentimentos gerados por um mesmo fato. Cada um com as suas necessidades, nesse caso não atendidas, e com a escolha das estratégias, talvez não a melhor, para expressar um pedido. Os danos relacionais que impactam diretamente o ambiente de trabalho das pessoas envolvidas na situação estavam feitos. Seguramente, os prejuízos não se limitavam aos envolvidos, porque eles se estendem as partes que compõem o cenário das relações, como os demais professores, os alunos, os pais dos alunos e a comunidade como um todo. Nada acontece de forma isolada. Tudo está interconectado, porque o “bater de asas de uma borboleta pode provocar uma tempestade do outro lado do planeta” (teoria do caos). A situação pela perspectiva da Comunicação Não-Violenta (CNV), seria: (1) observa-se uma mensagem num grupo, que ao ser lida por um professor gera um (2) sentimento de raiva ao identificar que não teve atendidas as suas (3) necessidades de cooperação e de colaboração.  A partir dessa leitura, o professor fez o (4) pedido para atender as suas necessidades com a estratégia de responder no grupo. Estratégia apropriada para as necessidades exibidas? Provavelmente, não. A busca por colaboração e cooperação dificilmente será atendida com uma resposta que ao ser lida possa ser entendida como crítica e agressão. Ao se analisar as duas interações dos professores, as necessidades de ordem e respeito de um estavam alinhadas com as necessidades de colaboração e de cooperação do outro, apenas as estratégias de um e de outro não foram compatíveis. Assim, a CNV como ferramenta de comunicação compassiva e afetuosa, demanda a implementação do Passo Zero: PARE! (Miriam Moreno). É essencial parar para observar a situação com a isenção de julgamento. Com isso, se pode entender as necessidades envolvidas, em mim e no outro, os sentimentos vivos, em mim e no outro, para escolher uma estratégia que se revele num pedido que atenda a mim e ao outro. Simples? Não. Complicado? Tampouco. Possível? Sim, com prática, prática e prática de CNV com a consciência de que eu AFETO o mundo e de que o mundo me AFETA.

Enfim, a xícara suja pode representar a necessidade cooperação e colaboração de um, assim como pode, aparentemente, colocar em oposição às necessidades de ordem e de respeito de outro. Porém, o mais provável, é que elas estejam alinhadas na busca individual por um mundo melhor. O bem-estar de um não está no mal-estar do outro. Provavelmente, o bem-estar de um se complementa e se renova com o bem-estar do outro. Muitas vezes, apenas falta a clareza daquilo que está por detrás da xícara de um e de outro. A CNV com a consciência de que eu AFETO o mundo e de que o mundo me AFETA pode ser um caminho.

O que está por detrás da sua xícara?

Moacir Rauber

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Quem é o bobalhão correndo?

Quem é o bobalhão correndo?

Nas viagens sempre estou no local antes do horário previsto para embarcar, afinal um usuário de cadeira de rodas, às vezes, demanda mais tempo. Com isso aproveito para observar os atrasados correndo para chegar a tempo de embarcar. Alguns conseguem. Outros não. O desespero toma conta das pessoas que perdem o voo. Eu observo, penso e julgo, “Quem é esse bobalhão correndo?”.

Há alguns anos, estava no aeroporto com bastante antecedência para um voo doméstico. Aproveitei para almoçar com um amigo. O relógio marcava 13h24min, “Ah, tenho bastante tempo, meu voo somente será às 15h. Mesmo assim é hora de ir, pensei. Comecei a relembrar para onde eu iria e percebi que os horários de saída e de chegada estavam muito próximos. Resolvi olhar a passagem e não acreditei no que vi. A hora de decolagem seria às 14h e não às 15h. Saí a toda a velocidade que a cadeira de rodas permitia pelo saguão de um terminal ao outro até o balcão da companhia aérea. Fila. Todos as posições ocupadas. Agitei meus braços. Consegui a atenção de uma das atendentes. Ela disse:

– Acabou de fechar. Não embarca mais…

– Não é possível. Não é possível… repeti desesperado.

Havia perdido o voo. Agora eu sentia na pele aquilo que eu via os outros passarem quando se apresentavam alguns minutos atrasados no balcão de embarque. Era minha a falta de organização que complicava a minha situação. Eu deveria chegar às 16h no destino para um compromisso às 19h. Quantas pessoas seriam atingidas pela minha desorganização? Ao não cumprir o horário do primeiro compromisso, o embarque, deixaria de cumprir o segundo compromisso, o evento. Ao não atender o segundo compromisso criaria problemas para as pessoas que haviam me contratado para o evento que haviam organizado. Seria uma frustração moral, além dos prejuízos financeiros que também estariam envolvidos. Mas o que fazer? O que estava ao meu alcance fazer naquele momento? Nada…

Tudo isso passava pela minha cabeça, quando novamente olhei para a atendente e a vi falando com alguém no comunicador. Ela desligou e olhou para mim:

– Se nós chegarmos até lá em dez minutos eles te embarcam. Siga-me … disse ela e saiu correndo.

Fui atrás. Corri feito um louco, passei pela alfândega e cheguei ao portão. Tão logo embarquei as portas do avião se fecharam. Relaxei pela emoção de ter conseguido viajar. Foi então que me dei conta de quão injustos sempre foram os meus julgamentos. Como poderia eu julgar sem saber o que realmente acontecera com as pessoas que chegavam atrasadas ou em cima da hora? O meu motivo fora realmente fútil, mas quais seriam os motivos dos outros que eu sempre observara e julgara? Pensei comigo, “Julgue menos. Você não sabe o que o outro está passando…”. Faltava-me a humildade para praticar a empatia. Competências socioemocionais que podem validar muitas de nossas competências técnicas.

Por fim, coloquei-me no lugar das outras pessoas que naquele dia estavam com antecedência no aeroporto. Caso algum deles tenha me observado correndo desesperado pelo saguão do aeroporto pode ter pensado, “Mas quem é esse bobalhão em cadeira de rodas correndo de um lado para o outro?”. Naquele dia o bobalhão fui eu.

Moacir Rauber

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