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ESCUTAR NÃO É FÁCIL!

Escutar não é fácil…

Começar uma oficina sobre Inteligência Positiva e Comunicação Não-Violenta é um desafio sob vários aspectos, sendo um deles a baixa capacidade de escuta. Incluo-me.

No primeiro encontro, além da pausa como uma estratégia para reconhecer se estou no modo sábio ou sabotador, trabalhava a ideia de observar sem julgar aquilo que se vê ou se ouve. Exibia um vídeo com a tarefa de que cada um comentasse sobre aquilo que tinha visto ou ouvido e que poderia ter sido visto ou ouvido pelas outras pessoas que estivessem frente ao vídeo. O vídeo, entre outras partes, exibia uma mulher que estava diante de uma tela de computador e que ao escutar a voz de outra pessoa e o som de passos que indicavam que ela se aproximava, apagava a tela. Perguntei:

– O que vocês viram e ouviram? Descrevam de forma que todas as pessoas na sala também possam ter visto e ouvido.

Logo as pessoas começaram a falar:

– Eu vi uma mãe que estava vigiando seu filho na internet…

– Para mim era o marido que chegava e queria ver o que a esposa estava fazendo…

E assim seguiram os comentários. Perguntei:

– Quem viu uma mãe? Onde estava essa informação?

– Onde estava a informação de que o homem que entrava na cena era o marido?

E assim, muitas vezes, conduzimos as nossas vidas, vendo, ouvindo e interpretando sem conexão direta com os fatos. Vemos e ouvimos, inferimos e julgamos. Por isso é importante estimular a capacidade de escutar, para além de ouvir e ver. Entende-se que ver é a capacidade de perceber pela visão algo, alguma coisa ou alguém. Entretanto, nós rapidamente passamos a inferir a partir de deduções, para nós lógicas, que nos levam a uma conclusão. Em seguida, julgamos. Posso ouvir o mar e escutar a pessoa à minha frente, da mesma forma como posso ouvir a pessoa e escutar o mar. Portanto, a capacidade de ouvir tem a ver com a audição, embora quem ouve nem sempre escuta ou compreende aquilo que ouviu. A capacidade de escutar se refere a um ato consciente de prestar atenção, incluindo a compreensão daquilo que se ouve. Nesse contexto, escutar ultrapassa a audição no sentido de que se pode escutar sem ouvir; é possível escutar aquilo que se vê; assim como se pode escutar sem ver. Escutar é um movimento ativo de entender o que acontece sem julgar. Eis o desafio de mudar, porque somos muito rápidos em ver, ouvir e pensar, inferindo, concluindo e julgando.

Como no vídeo citado, a primeira vez que vi e ouvi os diálogos, logo fiz a dedução de que se tratava de uma esposa que estava sendo infiel ao marido. Não escutei nada. A partir da minha limitada visão e dos dados da audição, articulei as informações e fiz um julgamento. Isso é violento. Essa postura desconecta. Eis o ponto em que se introduz a importância de uma pausa para resgatar o sábio que está dentro de cada um. Os estímulos da visão e da audição, nesse caso, geram uma série de pensamentos. Entretanto, cabe a cada pessoa olhar para dentro e se escutar, pois isso possibilita que cada um traga a sua humanidade à tona. Com isso, posso resgatar o meu sábio do poder dos sabotadores, que sempre estão prontos para apontar um culpado, seja a situação, o outro ou a si mesmo. A realidade não é tão linear, ainda que, em matemática, dois mais dois continuem sendo quatro.

Por fim, antes de deduzir, concluir, julgar e condenar faça uma pausa e escute. O que estou vendo e ouvindo poderia ser visto e ouvido por outra pessoa? Se sim, é fato. Se não, é interpretação e julgamento. Acredita-se que a abertura para escutar no sentido mais profundo da palavra pode diminuir a violência.

Se não seguimos como pessoas que:

Veem, mas não enxergam;

Caminham, mas não se movem;

Tocam, mas não sentem;

Abraçam, mas não acolhem;

Ouvem, mas não escutam.

É bíblico!

Moacir Rauber

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Um cego no Vaticano. E no mundo?

Um cego no Vaticano. E no mundo?

Martin Descalzo trabalhava no Vaticano como jornalista e um dia recebeu um telefonema de um amigo que lhe pedia um favor:

Posso indicar você para mostrar a Basílica de São Pedro para um amigo meu?

– Claro que sim!

– Mas não é um amigo qualquer. Ele que “ver” a basílica, mas ele é cego.

Martin fica boquiaberto. Como um cego poderia “ver” a Basílica de São Pedro com suas obras, colunas, abóbadas e vitrais? Seria para ele, que era padre, o maior desafio de sua vida fazer alguém ver a basílica pelos seus olhos, o que terminou sendo o dia mais marcante da sua vida. Bastava Martin se lembrar de uma das frases do seu ilustre visitante cego: Os homens são bons, embora, às vezes, seja preciso ser cego para ver a bondade. Uma das principais crenças do visitante Lorenzo Tapia era a de que os homens eram bons, ainda que estava ciente de que o lado não bom estava presente em cada um. Ele dizia que para ser mau é preciso estar louco, o que não quer dizer que todos os loucos sejam maus.

O padre Martin estava nervoso pela insegurança de não saber como fazer para que Lorenzo pudesse “ver” a Basílica de São Pedro. Começaram o passeio pelos espaços que ele acreditava que conhecia muito bem. Ao passar pelos lugares que caminhava todos os dias descrevendo os detalhes para o seu amigo, percebeu que, muitas vezes, não enxergava aquilo que olhava e via. Marque-se a diferença entre olhar, ver e enxergar. Alguém pode olhar sem ver nem enxergar. Alguém pode olhar e ver, mas não enxergar. E naquele momento o Pe. Martin entendeu que finalmente estava exercitando a plenitude dos sentidos, porque olhava, via e enxergava o ambiente que acreditava ser tão conhecido para ele. Em todas as visitas que fizera acompanhado de pessoas que olhavam e viam ele não havia realmente enxergado. Agora que acompanhava um cego que olhava, mas não via, era ele quem enxergava. Da mesma forma, ao descrever a basílica para um cego, Martin compreendia que Lorenzo olhava e não via, mas que enxergava de fato, porque sentia.

A visita transcorreu maravilhosamente bem. O seu novo amigo Lorenzo lhe deu uma aula sobre bom humor, humanidade, amor, perseverança, coragem, compaixão e visão. Nas conversas que tiveram Lorenzo revelou que ficou cego aos 11 anos de idade. Foi um choque. Veio a tristeza. Por fim, ele escolheu a vida. Lorenzo decidiu não se encurvar nem se ocultar das dificuldades que encontraria na vida. Viver era um privilégio e ele iria aproveitar a oportunidade por si e pelos que o amavam. Daí nasceu o bom humor de onde vem a crença e a fé nas as pessoas. Dizia Lorenzo, “Posso me perder nas minhas viagens, mas sempre tem alguém que me orienta”. Isso o levou a amar sem medida as pessoas e a vida. Nesse amor está presente a perseverança, porque coisas não tão boas também acontecem. “Eu tropeço e caio. Pessoas que veem também tropeçam”. É a hora de se ter forças para se levantar e seguir. É a perseverança que lhe dá a coragem de não desistir. Desse modo, com bom humor, amor, perseverança e coragem vem a compaixão por si e pelos demais que revelam a própria humanidade. O visitante cego do Vaticano pode não ter o sentido da visão, mas tem a visão plena da vida que lhe permite ter uma vida plena. Enfim, ao terminar o passeio com Lorenzo, o Padre Martin escreve que ao reencontrar as pessoas do seu convívio percebeu que ele estava rodeado de cegos. Diz Martin, “Todos somos cegos de algo. Cegos do coração, da fé, da coragem ou do Amor”. Por isso, tantas pessoas, entre elas eu, muitas vezes, olham e veem, mas não enxergam.

Quem é o verdadeiro cego?

Moacir Rauber

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Fonte: Contos do Padre José Luis Martín Descalzo