As histórias merecem ser contadas quando valeram a pena ser vividas. E nessa vida, estamos todos no mesmo barco…
Falando em barco… Na equipe de basquete de Braga tenho um amigo que, assim como eu, é remador. Não vou dizer o nome. Não é preciso, não é? Num dos tantos treinos de basquete conversamos sobre os treinos de remo. Convidei-me para vê-lo treinar na esperança de remar um pouco. Gentilmente ele passou por minha casa e fomos até Viana do Castelo numa terça-feira e eu pude remar também. Foi muito bom! Remamos uns oito quilômetros pelo Rio Lima naquele dia. Estávamos a passear e a conversar. Fizemos uma largada e brincamos desfrutando das lindas paisagens do rio. Na volta ao clube encontramos o treinador que comentou com o meu amigo sobre o evento do sábado próximo em que seria realizado o campeonato nacional de remo indoor, incluindo a categoria de remo adaptado. Fiquei ali ao lado ouvindo como quem não quer nada. Na verdade não queria mesmo. De repente eles dirigiram a conversa para mim e disseram, Moacir, você não quer se inscrever? Não quer participar da competição? A princípio disse que não, porque não me achava preparado, entre outras desculpas. Na verdade eu achava que estava meio velho para competir com aquela turma. Eu estava próximo aos cinquenta anos e os demais eram bem mais jovens. Provavelmente era o que eles pensavam. Ao final da conversa disse “sim” e fiz a inscrição. Chegou o sábado e eu fui até o local acompanhado pelo Ricardo, técnico de basquete, sua esposa e sua filha. O Ricardo terminou por entrar no evento como se fosse o técnico de remo. No trajeto de ida eu havia pensado que se tratava de um evento simples, realizado num clube com alguns gatos pingados como participantes. Ao chegar no local e ver toda a infraestrutura montada para o evento fiquei de boca aberta. Caramba, telões para todos os lados… O que é isso? Tinha uma infinidade de aparelhos de remoergômetro espalhados na área de competição e outros tantos na área de aquecimento. Fiquei impressionado e momentaneamente assustado. Cutuquei o Ricardo e disse:
– Meu Deus, isso aqui é um baita evento!!!
Ele riu-se e viu que eu havia ficado impressionado. Técnico que é disse:
– Fica tranquilo. Faz o que você faz todos os dias…
Exatamente… Foi o que pensei. Conversei com o meu amigo do basquete, que não vou falar o nome, e também com os outros concorrentes. Querendo ou não há sempre uma avaliação visual sobre os concorrentes. Olhava para um e pensava, Não deve ter trinta anos…, e para outro, É forte pra caramba… Por fim me tranquilizava, dizendo-me, Você está aqui para se divertir… Na nossa categoria éramos oito, sendo quatro na classe aberta e quatro na classe federados. Começamos a nos preparar. Ajustei a minha cadeira no remoergômetro. Apertei as fitas para fixar o tronco e também as pernas. Fitas estreitas. Apertam-me o peito… pensei. Dei algumas remadas. Soltei e reapertei tudo. Comecei a remar para fazer um aquecimento de dez minutos como sempre faço. Não deu tempo. O pessoal da comissão organizadora avisou-me:
– Um minuto para começar!
Parei de remar para relaxar e soltar os músculos. Concentrei-me e fiquei preparado para a largada. Vi o cronômetro avisando, … 5, 4, 3, 2, 1 vai… E começou a prova. Dei três remadas curtas para movimentar a máquina. Dei mais dez remadas fortes para deixá-la rodando num ritmo mais leve. Depois baixei para a remada de percurso. Olhei para o visor e procurei encontrar os indicadores que me mostravam que eu completaria a prova em 4’30”. Olhava em frente e via a esposa do Ricardo. Vi nela uma certa preocupação. Também sentia a presença do Ricardo que estava às minhas costas, entre mim e o meu amigo basqueteiro. Ele incentivava um e outro. Buscava tirar o melhor de cada um que era o que cada um podia fazer. Eu nada poderia fazer com relação ao tempo do meu amigo, assim como ele não poderia fazer nada com relação ao meu tempo. Porém, aquelas palavras de incentivo faziam com que eu fizesse o meu melhor. No fundo é isso o que importa. Olhei novamente para o visor e vi que havia encontrado uma remada que me deixava confortável no limite das minhas forças. Dosava a potência e a velocidade preocupando-me com a distância percorrida e com a distância a percorrer. Os segundos passavam e os metros também. Já estava na metade da prova e totalmente consciente. Olhei em frente e via a esposa do Ricardo com um sorriso nos olhos. Nesse momento eu soube que estava bem. Sem olhar para o lado eu escutava e percebia que os movimentos do meu amigo já demonstravam alguma dificuldade. Pensei, Ele vai diminuir o ritmo… eu tenho que manter o ritmo. E foi o que fiz. Entretanto, ao me aproximar dos 800m comecei a sentir a falta de ar. Oxigênio, caramba… Oxigênio… e dei uma bufada. A fita que me prendia o tronco era muito estreita e apertava-me o diafragma. Ela asfixiava-me. Naquele momento eu precisava de oxigênio. Queria diminuir a voga, mas não conseguia. Tentei expelir ar com mais força, mas também estava difícil. Senti meus olhos se nublarem e pensei, Vou ter que diminuir senão vou apagar… E é muito comum nesse tipo de desafio um atleta simplesmente desmaiar. Foi então que ouvi o técnico soprar em meu ouvido:
– Diminui, Moacir, diminui. Você já ganhou a prova, só precisa terminar…
E assim diminuí o ritmo um pouco e terminei a prova. Recebi a medalha de Campeão de Remo Indoor Aberto de Portugal com um tempo de 4’33”, que também me deixaria como campeão geral. Foi incrível!!! A sensação de terminar uma prova sabendo que havia dado o que melhor eu poderia dar naquele dia e naquelas condições não tem preço!!!
Agradeço ao meu amigo, de quem não vou falar o nome, pelo convite. Tá certo que fui um convidado meio inconveniente, por isso todos os méritos para ele. Fiquei a pensar, como ele poderia saber que eu treinava todos os dias? Ainda que não compita, sempre mantive meus treinos de remoergômetro por se tratar de uma atividade de baixo impacto. Fazer cinco, seis, oito ou dez quilômetros de remo num dia dependia da minha condição emocional. Nos dias mais difíceis faço mais exercício. Nos dias mais alegres também faço mais. Mantenho a média nos dias médios. Para mim, alegria e tristeza são motivadores naturais. Na alegria, celebração. Na tristeza, recuperação. A atividade física cumpre com a sua função naturalmente. Disso tudo o meu amigo não sabia, mas eu sabia que ele havia treinado poucas vezes…
No fundo são apenas histórias. Mas cada história só valerá a pena ser contada caso tenha valido a pena ser vivida. Nesse último ano posso dizer que vocês, meus amigos da APD-Braga, fizeram valer a pena ter vivido cada uma dessas histórias.
Obrigado!!!