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Para quem você está onde está?

Para quem você está onde está?

Um mea culpa. Algumas considerações sobre um fato que me tirou o sono durante uma semana.

Fui convidado para fazer uma palestra de abertura de uma competição em que deveria estimular os competidores a darem o seu melhor falando sobre motivação e superação. Mas o evento não somente sobre isso. Um dos focos era a disseminação das melhores práticas das atividades daqueles profissionais. A competição era tão somente uma forma lúdica encontrada pelos coordenadores da organização de consolidar e de transmitir conhecimento. Eu fiquei muito feliz com o convite. Para tanto, escrevi um texto com o título Não acredito em competições… Não compreendo o que se entende por superação… No texto discorri sobre a minha crença de não acreditar em competições, porque elas necessariamente deveriam se basear no princípio da igualdade. Como somos todos diferentes esse princípio não teria como ser cumprido. Mesmo assim gosto de competições, porque ela faz com que aflore o melhor de cada competidor. Uma competição saudável não se refere ao outro, é sobre cada um ser competitivo. O resultado é uma consequência, fazer o melhor é uma obrigação.

Também comentei sobre a superação, que normalmente é entendida como uma atitude quase heróica de conseguir algo diferenciado. Muitas vezes ela é associada às pessoas com deficiência. Porém, o meu entendimento é de que a superação é o contínuo ato de se tornar aquilo que se é. São os pequenos avanços realizados diariamente que representam a superação. Isso já foi discutido e apresentado por muitos autores, embora hoje prevaleça a ideia do herói, com a qual não concordo. Mas foi nesse ponto que tropecei. Não concordo e não acredito nisso, mas comportei-me como tal.

Fui para a apresentação com a convicção de fazer o meu melhor. Estava seguro de mim pelo texto que havia escrito ao qual associaria todo o meu raciocínio para ser fonte de inspiração para aqueles profissionais e competidores. Acrescentei um pouco de teoria motivacional para fundamentar a exposição, porém, assim como a lei da gravidade existe sem a necessidade de uma teoria, a motivação também está presente nas pessoas. A teoria até pode explicar, mas não muda a realidade. Comecei a minha apresentação expondo esses pontos. Avancei para fazer uma associação com a minha história pessoal, falando rapidamente do acidente que me deixou em cadeira de rodas. Expliquei como foram as batalhas para trilhar um caminho profissional e, finalmente, como entrei no mundo dos esportes. Não sei exatamente em qual ponto da minha exposição aconteceu, mas sei que aconteceu. De repente eu acreditei que era um herói. A minha história me convenceu e tudo aquilo que havia dito inicialmente eu mesmo contradizia. Passei a falar como herói. A fala sobre humildade sem ser subserviente passou rapidamente pela assertividade e se tornou arrogância. Esqueci para quem falava, porque afinal falava de mim. Estava achando o máximo, porém fui o mínimo. Saí de casa com a firme intenção de fazer o meu melhor, mas terminei o dia sentindo que havia falhado redondamente.

Ao final da palestra as pessoas aplaudiram com entusiasmo, mas a minha sensação foi de frustração. Nesse dia senti que não merecia os aplausos, porque esqueci que eles não estavam ali por minha causa, mas eu é que estava ali por causa deles. Quando acreditamos que viramos estrelas o suposto brilho nos ofusca e nos tira a visão. Não ver por causa do brilho é muito pior do que não ver na escuridão, porque, mesmo cegos, acreditamos que estamos vendo. Assim, entendo que é essencial ter em mente que nós estamos onde estamos para o outro.

Para quem você está onde está?

Moacir Rauber

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DIREITOS E DEVERES: UMA LIGAÇÃO INTRÍNSECA

Fonte da imagem: https://turismoadaptado.files.wordpress.com/2010/12/vaga-para-deficiente.jpg

DIREITOS E DEVERES: UMA LIGAÇÃO INTRÍNSECA

Lembro-me de um período em que trabalhei numa universidade, na qual dava aulas três vezes por semana. Nesses dias, quase sempre estacionava no mesmo lugar, usando uma das vagas reservadas para pessoas com deficiência, uma vez que sou cadeirante. Logicamente que a vaga não estava reservada exclusivamente para mim, mas para todas as pessoas com deficiência, desde que disso dessem visibilidade identificando o carro com o selo apropriado. Numa determinada noite cheguei ao trabalho para aplicar uma prova. As vagas estavam todas ocupadas. Observei os veículos que ocupavam as duas vagas reservadas e pude identificar um como sendo de um aluno da universidade, igualmente cadeirante. O outro carro era de uma empresa conhecida na cidade. O vigia da universidade, que me conhecia, aproximou-se e disse:

– Olha, eu não sei quem é esse cidadão, mas ele não tem deficiência. Eu disse que ele não poderia estacionar nessa vaga, mas ele não me deu a mínima!

Depois dessa informação estacionei tão próximo da traseira do carro que estava na vaga de maneira imprópria que não haveria como ele manobrar para sair antes de mim. Desembarquei, dirigi-me a sala de aulas e comecei a aplicar a prova. Passados uns 20 minutos o vigia bateu na porta da sala para me avisar que o dono do carro havia voltado e gostaria de sair. Respondi que assim que os alunos terminassem a prova eu iria tirá-lo. Passaram-se mais de 30 minutos até que, finalmente, todos os alunos terminaram a avaliação. Somente então voltei até o carro. De longe, observava o dono do carro. Lá estava ele com sua pasta executiva numa mão e na outra o celular, falando com alguém. Ele caminhava de um lado para o outro, aparentemente, nervoso. Aproximei-me em minha cadeira de rodas. Ao me ver ele se acercou e pediu-me mil e uma desculpas, dizendo que havia chegado atrasado para uma reunião da universidade que deveria ter sido rápida e que agora já estava atrasado para outra reunião. Cumprimentei-o, embarquei no carro, carreguei minha cadeira e fui embora.

Certamente que os compromissos desse senhor eram importantes para ele, assim como os meus são para mim e os seus são para você. Entretanto, isso não dá o direito para quem quer que seja de invadir o direito do outro. E mais. A reserva de vagas para as pessoas com deficiência representa um aspecto legal, proposto, discutido, debatido e regulamentado em lei, além do bom senso comum indiscutível. Em muitas situações não faço questão de me beneficiar das “vantagens” destinadas às pessoas com deficiência, mas especificamente no caso da reserva de vagas de estacionamento sempre busco esses espaços, porque senão meu veículo ocuparia dois lugares. Explico. Os cumpridores das leis sem deficiência não estacionam em vagas reservadas para pessoas com deficiência. Dessa forma, se eu, pessoa com deficiência, estacionar numa vaga convencional e deixar uma vaga reservada sem uso, ocuparei dois espaços. E isso também não é justo, assim como não foi a situação exposta acima.

Enfim, por isso entendo que direitos e deveres estão tão intrinsecamente ligados, reforçando o dito popular que o direito de um vai até onde começa o direito do outro. Nem um centímetro a mais!

Moacir Rauber

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Essa “gente” é mais FELIZ do que parece…

Hoje (01-05-20) faz 34 anos que uso uma cadeira de rodas e nesse período vivi muitas situações belas e outras caricatas. Ainda antes da quarentena, lembro-me de um dia que fui à igreja e fui recebido por uma senhora que me cumprimentou alegremente:

– Bom dia! Pode me acompanhar? Lá na frente tem um lugar especial para vocês cadeirantes…

“Vocês, cadeirantes…” pensei. “Um rótulo”. Mesmo assim, acompanhei a senhora e vi que o lugar era tão especial que eu ficaria em evidência para a igreja inteira. Olhei, enquanto era olhado por quem já estava na igreja, analisei, agradeci, girei e voltei. Encontrei um local mais discreto para ficar, sem “atrapalhar” o fluxo das demais pessoas. Ao final da missa, no pátio, encontrei algumas pessoas conhecidas com quem comecei a conversar. Nisso se aproxima uma senhora que se dirige à pessoa com quem eu conversava e diz:

– Ah, vocês não são daqui? Acreditando que o meu amigo me acompanhava.

Ele respondeu que era da cidade e que apenas eu não era. A senhora voltou a sua atenção para mim e os seus olhos se avivaram com a curiosidade sobre a minha condição de usuário de cadeira de rodas. Olhou-me de cima a baixo. Eu sabia que viria alguma pergunta:

– O que foi que aconteceu?

Perguntou-me ela a queima-roupa. Deixei o silêncio tomar conta do espaço por alguns segundos. Foi o tempo necessário para que ela emendasse:

Desculpe-me, se é que posso lhe perguntar…

Respondi-lhe, educadamente:

– Foi um acidente de carro há muitos anos… Depois abri um sorriso.

Ela imediatamente olhou para o meu amigo:

– Você vê, essa gente é mais feliz do que a gente pensa… Referindo-se ao fato de eu ter sorrido.

“Essa gente…” era eu. Esses são os rótulos que colocamos nas pessoas a partir dos nossos preconceitos e de nos nossos juízos de valor. Com isso, classificamos as pessoas entre “nós” e “eles”. “Nós”, os bons; “eles”, os maus. “Nós”, os produtivos; “eles”, os improdutivos. “Nós”, os corretos; “eles”, os equivocados. E assim fazemos na rua, nas famílias, nas organizações e nas nossas relações: rotulamos as pessoas. Ao identificarmos um determinado aspecto que nos parece comum entre algumas pessoas, sejam eles colaboradores, gestores ou diretores, nós os classificamos como integrantes de uma massa que se pode rotular como iguais. Há que se entender que somos seres únicos com necessidades semelhantes. Muitas vezes, o único que um cadeirante tem em comum com outro cadeirante é a cadeira; o único que um careca tem em comum com outro careca é a falta de cabelo; o único que uma loira tem em comum com outra loira é a cor do cabelo; o único que um colaborador tem em comum com outro colaborador, talvez, seja o posto de trabalho.

Não é porque se tem características em comum que necessariamente se pode classificar de “nós” e “eles”, porque simplesmente não há “eles”. Há um imenso “nós” humano que tem necessidades comuns, entre elas a busca pela felicidade.

Portanto, no dia do trabalho o convite é para respeitar a individualidade de cada um que faz parte do “nós” humano. É um grande desafio para todos nós, principalmente para os gestores. Com isso, consegue-se entender que as buscas individuais podem ser muito parecidas, independentemente da condição física, social ou profissional. E a felicidade é uma delas.

Sim, “essa gente”, não importa quem seja, busca a FELICIDADE e pode ser mais feliz do que se imagina.

Moacir Rauber

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Você quer ajudar? É preciso aprender…

Há alguns anos, estava eu com a minha cadeira de rodas no centro de Florianópolis, aguardando, juntamente com os pedestres, que um semáforo abrisse para cruzar a rua. Na esquina não havia rampa. Estávamos num horário de pico. Logo formou-se um grande grupo de pessoas atrás de mim que também aguardavam o sinal abrir. Quando o sinal abriu eu empinei a minha cadeira de rodas para mais facilmente descer o meio fio que se encontrava à minha frente. Uma senhora que estava logo atrás, ao ver o movimento que fiz em que as rodas dianteiras da minha cadeira subiram, jogou-se desesperadamente para frente agarrando as manoplas existentes no encosto da cadeira para me segurar. Creio eu que ela deva ter tropeçado no trajeto de onde saiu até me alcançar, pois as suas mãos conseguiram agarrar a cadeira e com isso, quando ela caiu me arrastou junto. Ela esborrachou-se no chão! Eu também. A cadeira virou com tudo para trás, levando-me com ela. Ainda sem saber o que acontecia apenas pude perceber que caí sobre alguém. Estava entre deitado sobre uma pessoa e ao mesmo tempo enrolado com ela. Braços e pernas, eu não sabia quais eram os meus. Rapidamente tentei desvencilhar-me para voltar a subir em minha cadeira. Olhei para a senhora que estava com os dedos sangrando. Perguntei-lhe se ela estava bem, recebendo uma resposta afirmativa. Foi então que comecei a entender o que havia acontecido. Ela desculpou-se explicando que havia me visto empinar a cadeira e achou que eu estaria caindo. Então expliquei-lhe o procedimento que faço para descer um degrau ou um meio fio, como era o caso. Ela desculpou-se várias vezes. E a nossa conversa foi acompanhada por um grande grupo de curiosos que, inicialmente, estavam todos apreensivos, mas que logo virou em motivo para risadas.

 

O que se pode deduzir da situação? O que ficou de aprendizagem? Algo muito simples, que inclusive para ajudar é preciso ser competente. Estudar, aprender e desenvolver novas competências por meio da ampliação da visão de mundo não contribui apenas profissionalmente. As profissões e as organizações exigem claramente que as pessoas exibam as competências esperadas. Caso não as tenham, não entram. Caso entrem e não as exibam, saem. Entretanto, a aprendizagem é uma oportunidade de expansão das perspectivas individuais que ultrapassa os limites de uma profissão, permitindo que as pessoas sejam cidadãs mais contributivos e responsáveis. E a curiosidade é a fonte da sabedoria que pode ser desencadeada pelas perguntas. Por isso, quando se pretende ajudar alguém, a primeira atitude talvez seja perguntar se a pessoa quer e precisa de ajuda para então saber como e se realmente pode ajudar. Aplica-se a mesma regra para pessoas, empresas e organizações. Dificilmente se pode contribuir sem conhecer!

Como vão as suas competências? Você está pronto para ajudar? É preciso estar disponível para aprender.

Moacir Rauber

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Do que você menos gosta na vida?

Outro dia fui confrontado com uma pergunta sobre a qual não havia pensado ainda. Normalmente damos ênfase para os aspectos positivos de nossa vida num processo de visão otimista que nos leve adiante em nossos sonhos e projetos. Naquele dia foi diferente. Após um encontro com jovens, um deles se aproximou de mim e perguntou:

– Professor, do que o senhor menos gosta na sua vida?

Fiquei pensativo. O evento também tratava de questões negativas, mas o enfoque era positivo. A pergunta do jovem, entretanto, leva-me para uma análise diferente sobre aspectos que são reais em nossas vidas. Depois de alguns momentos respondi:

– Estar numa cadeira de rodas é o que eu menos gosto, acredito. Com certeza essa é a situação da que eu menos gosto.

A conversa continuou, mas no caminho para casa eu não estava satisfeito. Continuei a pensar na pergunta e cheguei a uma conclusão diferente da resposta dada. Não era estar numa cadeira de rodas a situação da qual eu menos gostava na vida. Certamente que não era uma situação confortável ou desejável, mas ela apenas representava algumas limitações a que eu estava sujeito e que já não dependiam de mim. Por isso, não fazia mais sentido eu dirigir a minha energia para o fato de eu estar numa cadeira de rodas, porque isso já não estava no meu controle. Foi então que eu consegui diferenciar que no fundo o que eu menos gostava na minha vida era ser um cadeirante. Mas qual a diferença entre estar numa cadeira de rodas e ser um cadeirante?

Há sim uma grande diferença entre uma e outra situação. Por um lado, eu estar numa cadeira de rodas significava saber usá-la para ir para lugares que sem ela eu não poderia ir. Eu deveria ser e quase sempre sou um usuário da cadeira de rodas. Ela amplia as minhas possibilidades ao me permitir fazer coisas que sem ela não posso fazer. Por outro lado, ser um cadeirante é limitador. Ao assumir que eu sou um cadeirante eu incorporo as limitações que esse fato traz em si. Olhar a vida como sendo um cadeirante faz com que se vejam as impossibilidades e foi a essa reflexão que a pergunta daquele jovem me levou.

Desse modo, atuar nas situações sobre as quais nós temos controle é que nos amplia as possibilidades. O que eu posso fazer com as qualidades que eu tenho? Quais as potencialidades latentes que eu posso desenvolver? Com essa visão nós não nos acostumamos às situações difíceis que a vida nos impõe. Podemos e tendemos a nos adaptar a essas situações para delas extrair o melhor. Isso nos permite entender que as nossas ações afetam os outros, assim as ações dos outros nos afetam e cabe a cada um de nós decidir como nós vamos afetar o mundo. Explorar todas as potencialidades sendo o melhor que se pode ser com as qualidades que se possui é a melhor forma de afetar o mundo positivamente.

Do que eu menos gosto na vida? Quando eu incorporo no meu comportamento as limitações e deixo de ver as possibilidades. E você?